“Os que queimam, impunes, a morada ancestral, projetam no céu mapas sombrios” (Milton Hatoum) O QUE NÃO É FLORESTA É PRISÃO POLÍTICA é uma mostra que nasce, portanto, neste contexto. É um processo em curso que, como uma floresta, não se fecha e se realiza de forma colaborativa. Há uma partilha coletiva, múltipla, que toma de empréstimo a imagem da floresta para compor arranjos que se contaminam entre si, mesmo diante das diversas práticas artísticas de cada participante dessa exposição. Assim, não há uma hierarquia na montagem nem na seleção das obras, mas sim a intenção de construir um sentido sensível, livre, para esse espaço expositivo da Ocupação 9 de julho, a Galeria Reocupa. O QUE NÃO É FLORESTA É PRISÃO POLÍTICA inaugura com trabalhos de mais de 60 artistas brasileiras e brasileiros, numa lista em composição que hoje conta com 93 convidadas e convidados. Por isso, não há uma data limite para encerramento da exposição que será ativada em eventos programados para acontecer a cada semana, continuamente. A proposição da exposição O QUE NÃO É FLORESTA É PRISÃO POLÍTICA partiu de dois pontos que, embora distintos, parecem se tocar. O primeiro, a floresta, a terra-floresta, para os Yanomami a pele da terra que é fluída, sem fronteiras. A mãe-terra e seus auto ajustamentos em função da necessidade de produzir e sustentar a vida. Um sistema que não tem lei e é cooperativo, que não depreda recursos e garante a sua continuidade. Até hoje, parecem ser os povos originários um dos únicos seres humanos que sabem compor e cooperar onde há floresta. Ela seria então um ente que pode se contrapor às tantas formas de dominação, como escreveu o grupo Centelha, em seu primeiro livro intitulado Ruptura (n-1 edições, 2019): “Se ela é alvo maior do fascismo é porque novas formas de relação com a natureza implicam mutações econômicas e políticas profundas”. O segundo ponto de partida: a prisão. Impossível não pensar no Brasil desde 2014 como uma imensa e contígua prisão. “Porque falo em ‘pequena prisão’? Exatamente porque, iludidos com uma sociedade autoproclamada ‘livre’, vivemos na verdade numa imensa, cada vez maior, prisão (…)”, escreveu Igor Mendes, em seu relato de cárcere, publicado em A Pequena Prisão (n-1 edições, 2017). Emprestamos dele, portanto, este começo, ele que é um dos 23 condenados por participar de manifestações durante a Copa do Mundo de 2014 no Rio de Janeiro. Ele que, como Rafael Braga, Preta Ferreira, Carmen Silva e tantos outras e outros sofrem as perseguições dos aparelhos de Estado, por liberarem o caminho rumo à liberdade e para a construção do comum.
Mais sobre a Ocupação 9 de Julho
Localizada no centro de São Paulo, na Bela Vista, o prédio da Ocupação 9 de julho representa um marco de luta por moradia social no Centro, e importante ponto cultural da cidade. O MSTC realizou um esforço pela valorização do prédio, acondicionando os espaços não só às necessidades dos moradores e o cumprimento da normativa vigente, quanto a sua adequação para dar espaço a uma quadra esportiva, horta comunitária, biblioteca e brinquedoteca, marcenaria, além de uma cozinha coletiva. Esses espaços e a gestão coletiva deles fazem com que a Ocupação 9 de Julho torne-se um exemplo de equipamento cultural – bem ali onde poderia existir o escuro e a invisibilidade, o apagamento e o silêncio, há a reabilitação da voz, da vida e dos afetos através da expressão artística e simbólica para a construção de um mundo possível.
Sobre o MSTC
Sobre a história do movimento e suas conquistas:
https://www.movimentosemtetodocentro.com.br/
fotos Marcio Tassinari, Fernando Sato