Uma coisa depois da outra, 2000
corte e retirada de pintura da parede
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Exposição discute templos contemporâneos
Quem entrar na Galeria Luisa Strina para ver a exposição Capela Sistina, que estréia nesta terça-feira à noite, poderá se surpreender ao encontrar um espaço praticamente vazio. Ao reunir numa espécie de instalação apenas quatro trabalhos, assinados por Keila Alaver e Marcius Galan, a intenção do curador Felipe Chaimovich é exatamente esta: levar o espectador a pensar sobre essa espécie de templo contemporâneo que é o cubo branco, como se costuma chamar o espaço asséptico da galeria de arte.Ele parte da idéia de que a galeria é de certa forma um templo da atualidade, que preserva um certo resquício religioso, reapropria a experiência religiosa ao continuar sacralizando a obra de arte (como uma espécie de continuidade no tempo do que foram as igrejas, os palácios e os museus). “É um teste, uma curadoria experimental”, explica Chaimovich.As relações com a obra-prima renascentista não são tantas assim, que possam ser identificadas pelo visitante leigo e despreparado. Mas elas existem. “A idéia é projetar a organização da capela no cubo branco, mantendo algumas relações espaciais e outros elementos originais”, explica Chaimovich. Ao contrário da Capela, onde não há um espaço vazio, as quatro peças da mostra lidam formalmente com a questão da retirada, do vazio.A primeira obra com a qual o visitante se depara remete ao Juízo Final e, como ele, tem um sentido ascendente. Mas é difícil lembrar da obra de Michelangelo, vendo os retângulos recortados na parede por Galan, mesmo que para criá-los ele também tenha utilizado uma técnica familiar à do afresco. Ele literalmente cortou a parede e retirou as várias camadas de tinta que foram se acumulando ao longo dos 25 anos de existência da galeria.A outra obra de Marcious, Desenho, se encontra na parede oposta e lida com a questão do tempo. Ao longo de três semanas, o artista usou o mesmo pedaço de papel para desenhar e apagar um círculo – guardando os resquícios desse processo. A experiência foi interrompida quando o papel estava prestes a romper-se. Esse desenho que se fez pela retirada e não pelo acréscimo, assim como os restos de borracha, grafite e papel foram emoldurados numa caixa de vidro, remetendo à idéia do tempo infinito e dialogando com as laterais da Capela, na qual estão retratados os tempos da Lei Antiga e da Lei Cristã.Coube à Keila Alaver representar os anjos e o nascimento de Adão. Mas, em vez de encontrar-se com Deus, o Adão da artista está sozinho, sem identidade, numa parede vazia e branca. Para reforçar a descaracterização dos personagens, Keila substituiu os rostos e as entranhas – no caso dos dois anjos – por couros enrugados.Segundo Chaimovich, essas quatro imagens foram escolhidas não apenas por serem as mais conhecidas, mas por reinterpretarem – num sentido bastante amplo – questões morais como o fim do tempo, a criação, a desobediência e o sentido da história.
publicado no Estado de São Paulo
Capela Sistina ganha nova versão nas mãos de Felipe Chaimovich
Com obras dos artistas Marcius Galan, 27, e Keila Alaver, 29, o curador Felipe Chaimovich, 32, reinventou, na galeria Luisa Strina, parte da Capela Sistina, no Vaticano, que agrupa afrescos do renascentista Michelangelo.
As obras não foram produzidas com essa intenção, mas, sob o olhar do curador, traduzem juntas a proposta da releitura de momentos conhecidos do monumento italiano.
A cena do “Juízo Final”, por exemplo, foi substituída por retângulos brancos expostos verticalmente, uns sobre os outros, numa obra de Galan. “Esse trabalho tem um sentido vertical e ascendente”, disse Chaimovich.
Os ornamentos da capela, que trazem anjos brancos e cor de bronze-diferenciando bons dos maus-, estão representados em uma obra de Keila Alaver por dois garotos abraçados -um negro e um branco. A foto dos garotos foi recortada, e os rostos e os ventres encobertos por pedaços de couro.
O curador, que diz não ter formação religiosa, pesquisa a ornamentação da capela há dez anos.
Segundo ele, a idéia da “instalação” é procurar fazer a sala branca e sem janelas -ao contrário do espaço da capela- funcionar como uma espécie de templo. “Para o cristianismo, a capela é a ponte com o divino. A arte preserva a tradição religiosa. Quero saber se isso ainda funciona.” (FC) Folha de São Paulo, 2000
Currículo
- 2000 Capela Sistina, Marcius Galan e Keila Alaver, Curadoria Felipe Chaimovich, Galeria Luisa Strina, São Paulo
- 2019 I-D, segunda exposição comemorativa sobre os 45 anos da Galeria Luisa Strina