Question Centre
Nem cara nem coroa
A série The Illustration of Art (A ilustração da arte, em tradução livre) foi desenvolvida por Antonio Dias de forma mais ou menos assídua ao longo dos anos 1970. Com ela, o artista soma ao experimentalismo característico daquela década ao questionar noções estabelecidas sobre o que legitima uma obra de arte como tal – ou, nas palavras do artista, o “conceito material da arte”1. Sob sua égide, Dias criou filmes e obras de parede que, de uma forma ou de outra, estão calcados em ações simples. Se tais ações surgem como premissas conceituais das obras de parede2, elas constituem o próprio enredo dos filmes, onde o artista parece empregar a película para propor um jeito novo, talvez até reverente, de olhar para eventos ordinários. The Illustration of Art: The New York Information System3 (1972) começa com um plano fechado e trêmulo de um rádio comum. A incerteza sobre o fato de o aparelho estar ligado ou desligado em breve se mostra irrelevante, já que o filme se revela como uma obra silenciosa4. Eventualmente, essa cena corriqueira é brevemente interrompida por uma mão, que reverte qualquer que fosse o estado que o rádio tinha anteriormente (tocando, silencioso), antes de desaparecer do plano. O resultado de tal intervenção, no entanto, é imperceptível ao espectador, e o filme assim retorna ao seu enquadramento inicial sem grandes variações, terminando alguns momentos depois.
Marcius Galan tem consistentemente mostrado grande afeição pelas formas primárias e descomplicadas. Através de sua abordagem minimalista à prática artística, ele recorre a quadrados, retângulos, linhas, esferas e outras geometrias; formas que são ora construídas, ora encontradas no cotidiano e deslocadas de suas funções originais para servir aos propósitos do artista. Rotação sem acaso (2013) reúne ambas ideias de construção e acaso para criar a ilusão de movimento perpétuo. A obra resumese à uma moeda girando continuamente sobre uma base cinza e sólida; uma situação que, tal qual o filme de Dias, nunca evolui para outro lugar. A moeda – presa ao próprio eixo, momentaneamente deslocada de seu papel no sistema econômico mais amplo, recusando-se a tomar partido, enganando o espectador com seu artifício de rotação oculto – agrega inúmeras camadas de leitura com a simplicidade convincente de seu gesto. Irredutivelmente, ela se move. Question Centre é uma plataforma nômade de exposições curtas cujo recorte estabelece relações geracionais entre artistas, utilizando lugares convencionais ou não de arte para exibi-las. A ideia é mostrar trabalhos recentes de um artista atuante em relação à uma peça de um artista de outra geração (em atividade ou histórico), concebida no ano em que o mais jovem nasceu. Tal peça pode ser uma obra de arte, tratado científico ou qualquer outro artigo que ofereça um exemplo significativo da produção experimental à época do nascimento de determinado artista. Essa “obstrução” visa tanto contextualizar uma prática contemporânea em perspectiva histórica, como debochar de certa obsessão geral – evidente no meio artístico – pela jovialidade eterna, assim levantando questões sobre geração e contexto. O título é emprestado da obra The World Question Center (1969), de James Lee Byars, exibida na apresentação inaugural da plataforma (em junho de 2014, na Supplement Gallery, em Londres), ao lado de trabalhos de Alexandre da Cunha.
Notas:
1 Antonio Dias em conversa com Lilian Tone. Fonte: website do MoMA. 17 de novembro de 2012, Rio de Janeiro. Traduzido do inglês pela autora.
2 Por exemplo, em The Illustration of Art / One & Three / Stretchers (1971-74), Dias combina de maneiras diferentes quatro pedaços de madeira com exatamente a mesma medida, criando assim vários resultados a partir da mesma fonte.
3 Em tradução livre, A ilustração da arte: o sistema de informação de Nova York.
4 Vale ressaltar que, tratando-se de uma projeção em Super-8, originalmente o filme era acompanhado pelo barulho do projetor.
Este projeto é desenvolvido por Maria do Carmo M. P. de Pontes.
Trabalhos em exposição
Marcius Galan
Rotação sem acaso, 2013
Base de madeira, moeda e motor
81 x 120 x 80 cm
Antonio Dias
The Illustration of Art: The New York Information System,
1972
Super-8 transferido para DVD
2’ 30”